Na última quinta-feira, 11 de fevereiro, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, por maioria de votos, negou reconhecimento na esfera civil ao chamado “direito ao esquecimento”, entendido como o direito de uma pessoa em impedir a veiculação de informações e fatos pretéritos, ainda que verdadeiros e obtidos de forma lícita, que com o passar do tempo tenham se tornado descontextualizados ou destituídos de interesse público relevante.
A decisão foi proferida em regime de repercussão geral após quatros sessões de julgamento do Recurso Extraordinário 1.010.606 do Rio de Janeiro, sob relatoria do Ministro Dias Toffoli. Trata-se de ação de indenização proposta pela família de Aída Curi, jovem assassinada em 1958, em face da Rede Globo, em razão da veiculação, em 2004, de reportagem reconstituindo o crime no programa jornalístico “Linha Direta Justiça”, exibido pela emissora.
Os Ministros fixaram a tese nos seguintes termos:
“É incompatível com a Constituição a ideia de um direito ao esquecimento, assim entendido como um poder de obstar, em razão da passagem do tempo, a divulgação de fatos ou dados verídicos e licitamente obtidos e publicados em meios de comunicação social analógicos ou digitais. Eventuais excessos ou abusos no exercício da liberdade de expressão e de informação devem ser analisados caso a caso, a partir dos parâmetros constitucionais, especialmente os relativos à proteção da honra, da imagem, da privacidade e da personalidade em geral, e as expressas e específicas previsões legais nos âmbitos penal e cível.”
Segundo o Relator Ministro Dias Toffoli, o pretenso direito ao esquecimento não é compatível com a Constituição Federal uma vez que a restrição à divulgação de informações verdadeiras, licitamente obtidas e com adequado tratamento dos dados pessoais nelas inseridos afronta as liberdades de expressão e de informação previstas constitucionalmente e que são consectárias de um regime democrático. Ainda, o Ministro pontuou não caber ao Poder Judiciário criar, por hermenêutica, um direito ao esquecimento que sequer encontra previsão no ordenamento jurídico brasileiro. Acompanharam o voto do relator os Ministros Nunes Marques, Alexandre de Moraes, Rosa Weber, Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes, Marco Aurélio e Luís Fux.
O Ministro Edson Fachin abriu a divergência e reconheceu a existência de um direito ao esquecimento em abstrato, embora entendesse que, no caso concreto, os familiares de Aída Curi não fizessem jus a tal direito. Para o Ministro, o direito ao esquecimento decorre de uma leitura sistemática dos direitos à privacidade, à honra e à proteção de dados pessoais.
As discussões acerca do direito ao esquecimento ganharam projeção internacional em 2014 a partir do caso Google Spain vs. Mario Costeja Gonzáles, em que o Tribunal de Justiça da União Europeia, com base na legislação europeia de proteção de dados, reconheceu o direito de um cidadão espanhol de opor-se ao tratamento de suas informações pessoais que, embora verdadeiras e veiculadas licitamente, tenham perdido relevância com o passar do tempo[1]. Assim o tribunal determinou ao provedor de buscas a remoção de links de matérias ligadas ao nome do cidadão.
No Brasil, o direito ao esquecimento não está previsto de forma expressa no ordenamento jurídico. Apesar disso, alguns doutrinadores propugnavam pelo reconhecimento deste direito como uma decorrência da tutela da dignidade da pessoa humana e dos direitos da personalidade[2]. Nesse sentido, pode-se citar o Enunciado nº 531 da VI Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal.
Não se pode deixar de lado que as discussões acerca do direito ao esquecimento têm como debate de fundo, em última análise, o conflito entre dois valores constitucionais: de um lado, a proteção à privacidade, à honra e à imagem e, de outro, a liberdade de expressão e de informação, sendo que, em sua decisão, o STF reconheceu a prevalência deste último. Ainda, restou confirmado, no julgamento, que o direito ao esquecimento não pode ser utilizado para apagar a história, tampouco pode ser aplicável a fatos ou dados inverídicos ou ilicitamente obtidos.
Outrossim, destaca-se que a decisão do STF não afasta a responsabilidade por eventuais excessos ou abusos no exercício das liberdades de expressão e de informação, que, segundo os Ministros do STF, deverão ser analisados caso a caso à luz dos parâmetros constitucionais e das previsões legais nos âmbitos penal e cível. A esse propósito, na hipótese de veiculação na internet de informações ofensivas e/ou ilícitas é possível à vítima pleitear a remoção do conteúdo com fundamento no Marco Civil da Internet (Lei n. 12.965/2014).
Em razão de todo o exposto, é importante que o interessado em saber se alguma notícia que lhe traga demérito é passível de ser excluída da internet sempre consulte seu advogado de confiança para que apure qual o caminho a ser tomado.
Beatriz Valentim Paccini
E-mail: beatriz.paccini@brasilsalomao.com.br
Ricardo Sordi
E-mail: ricardo.sordi@brasilsalomao.com.br
Verônica Marques
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[1] Acórdão de 13 de maio de 2014. Google Spain SL and Google Inc. v Agencia Española de Protección de Datos (AEPD) and Mario Costeja González. Disponível em: <https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/HTML/?uri=CELEX:62012CJ0131&from=EN>. Acesso em: 12 fev. 2020.
[2] Enunciado nº 531 da VI Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal: “A tutela da dignidade da pessoa humana na sociedade da informação inclui o direito ao esquecimento”.