Pandemia e o direito de família: como ficam o direito à visita e o dever de pagar alimentos?
Pandemia e o direito de família: como ficam o direito à visita e o dever de pagar alimentos?

Pandemia e o direito de família: como ficam o direito à visita e o dever de pagar alimentos?

30/04/20

 

Surreal. Este é o termo que muitos utilizam para designar o período de Pandemia de COVID-19 pelo qual estamos passando.

 

É fato que, não raras vezes, escutamos pessoas dizendo que jamais imaginaram ter que passar por isso e, em razão disso, não sabem lidar com questões que, em tempos de normalidade, seriam encaradas e resolvidas tranquilamente.

 

Boa parte destas dúvidas, certamente, gira em torno do Direito de Família.

 

Em uma época em que não é raro encontrar pais divorciados e diversos tipos de novas famílias formados, nós, como profissionais do Direito, não raras vezes somos interpelados com questionamentos sobre direito de visita, pensão alimentícia, revisão de pensão, enfim, uma infinidade de dúvidas que, notadamente em virtude da velocidade com que tudo vem acontecendo, tornam impraticável escolher qualquer caminho sem amargar algum tipo de sofrimento ou incômodo.

 

Por estas razões é que é imperioso estar ciente dos direitos e deveres que devem permear a condição de pai, mãe ou responsável legal de crianças e adolescentes, sempre se tendo em mente a máxima de que deve ser feito o que for melhor para o menor, conforme preceitua o artigo 227 da Constituição Federal que, assim, dispõe: “É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.”

 

Nesta toada, a questão relacionada ao regime de visitas é algo que merece atenção e, de antemão, certos sacrifícios por parte daqueles que não detêm a guarda do menor.

 

Como sabido, em plena Pandemia de COVID-19, é fundamental que, para evitar o risco de contágio, haja o isolamento social, quando possível. E, infelizmente, o isolamento social acaba tendo que abarcar as visitas realizadas a menores, especialmente se estes residirem com pessoas do grupo de risco, ou seja, maiores de 60 anos e/ou com alguma comorbidade.

 

Infelizmente, não são raras as vezes em que, num divórcio, os pais passem a adotar interesses heterogêneos, misturando o fim da relação que tiveram com a relação que manterão com os filhos, o que desencadeia diversos problemas, quando não a alienação parental. Por isso, também não são raras as vezes em que, dependendo da situação em que aquele pai ou mãe com direito a visita ostentava antes da pandemia, ao se deparar com o isolamento social, possa entender que a impossibilidade momentânea de ver pessoalmente o filho/filha não se dê em razão de tal isolamento, mas sim por alguma implicância por parte do guardião do menor.

 

Entretanto, nestes momentos, é importante levar em consideração a máxima supracitada de que é o interesse do menor o que realmente importa, de modo que o bom senso, junto com a utilização de ferramentas tecnológicas pode ser o melhor caminho para aproximar aquele que detém o direito à visita do menor, especialmente se uma das partes não estiver em efetivo isolamento social, qualquer que seja o motivo.

 

É evidente que o isolamento social pode sim ser utilizado como desculpa para evitar o exercício do direito à visita, mas esta situação deve ser analisada caso a caso e, repise-se, sempre tendo em vista o interesse do menor como máxima. Logo, a título exemplificativo, se uma criança está sob a guarda de um adulto que, podendo, não está em isolamento social, o que é recomendado como medida para evitar o contágio pelo vírus COVID-19, é de se cogitar que a parte interessada com melhores condições para oferecer segurança ao referido menor busque no Poder Judiciário a reversão da guarda daquele em seu benefício. O mesmo pode ser verificar quando um dos pais é médico ou enfermeiro da linha de frente de combate ao Coronavírus, já havendo decisões neste sentido. Nestes casos, de rigor a aplicação do artigo 1586 do Código Civil que, assim, disciplina: “havendo motivos graves, poderá o juiz, em qualquer caso, a bem dos filhos, regular de maneira diferente da estabelecida nos artigos antecedentes a situação deles para com os pais.”

 

Notadamente, em tese, o bom senso deveria imperar e, aquele que, por qualquer motivo alheio à sua vontade, como é o caso do exercício de sua profissão, constate estar colocando em risco a vida de seu filho/filha ao manter a guarda deste para si, deveria, sem a necessidade do Poder Judiciário, buscar junto ao ex-cônjuge a reversão desta, ainda que de forma temporária. Contudo, infelizmente, por razões puramente egoísticas, muitas vezes não é isso o que se presencia, cabendo ao Poder Judiciário interferir para, repise-se, resguardar os interesses do menor.

 

Neste sentido, segue decisão sobre o tema:

 

“AGRAVO DE INSTRUMENTO. VISITA PATERNA AOS FILHOS MENORES. COVID-19. VISITAS NO MODO VIRTUAL. O convívio com o pai não guardião é indispensável ao desenvolvimento sadio das crianças e adolescentes. Situação excepcional configurada pela pandemia de COVID-19 e recomendação do Ministério da Saúde para manutenção do distanciamento social que apontam para o acerto da decisão recorrida, ao determinar contato do pai com o filho por meio de visita virtual diária, pelo menos por ora. Medida direcionada não só à proteção individual, mas à contenção do alastramento da doença. AGRAVO DE INSTRUMENTO DESPROVIDO, EM DECISÃO MONOCRÁTICA. (Agravo de Instrumento, Nº 70084141001, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Vera Lucia Deboni, Julgado em: 16-04-2020)”

(TJ-RS – AI: 70084141001 RS, Relator: Vera Lucia Deboni, Data de Julgamento: 16/04/2020, Sétima Câmara Cível, Data de Publicação: 17/04/2020)

 

Da mesma forma, o genitor que, igualmente a título exemplificativo, reduzir ou deixar de pagar a pensão de seu filho sem que, realmente, haja um motivo justo para isso, pode ser réu em uma execução de pensão e, persistindo a inadimplência, preso. Neste ponto, é importante destacar que, ainda que o desemprego seja o motivo ensejador do inadimplemento da pensão alimentícia, é preciso considerar que o menor continua tendo necessidades que precisam ser supridas, cabendo àquele que enfrenta qualquer dificuldade financeira se utilizar do bom senso para, em conversa com aquele que possui a guarda, chegar a um denominador comum.

 

Nunca é demais lembrar que o comprometimento da renda com o financiamento de imóveis, veículos etc. não é considerado justo motivo para a redução ou o inadimplemento dos alimentos ao menor, sendo levado em consideração pelo Poder Judiciário apenas e tão somente a formação de outra família, com novos filhos, ocasião em que a pensão, se o caso, poderá ser reduzida, mas jamais extinta.

 

Logo, por mais que a pandemia tenha prejudicado, demasiadamente, a situação econômica de pessoas que pagam pensão alimentícia, desencadeando, inclusive, o desemprego de muitas delas, não é possível se apegar a isso para inadimplir os alimentos mensais.

 

Detentores da guarda do menor que estejam sofrendo com a redução ou o inadimplemento da pensão alimentícia, num primeiro momento e em sendo possível, deve estabelecer contato com o devedor para chegar a um consenso. Não sendo este possível e/ou não havendo um bom relacionamento entre as partes, será necessário buscar no Judiciário a tutela necessária para resguardar os direitos daquele que sofrerá com a privação dos alimentos, lembrando que já vem sendo observada a aplicação da prisão domiciliar do devedor, conforme Ementa abaixo transcrita:

 

“AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO DE ALIMENTOS. I. Preliminar. Vício de representação. Questão não caracterizada, diante da juntada de procuração pela exequente maior, com firma própria, quando já exercida per se os atos da vida civil, ainda que assistida. Preliminar rejeitada. II. Decreto de prisão civil em desfavor do executado. Irresignação. Manutenção. Execução de alimentos aforada com respeito aos limites dispostos na Súmula 309 do C. Superior Tribunal de Justiça, ora positivados no artigo 528, § 7º, do Código de Processo Civil. III. Incontroverso inadimplemento parcial e relevante das verbas executadas. Prevalência da escolha do credor sobre o rito especial, que admite coerção pessoal do devedor. Precedentes deste E. Tribunal. IV. Débito alimentar que não perde sua atualidade por ter sido objeto de avença em sede de execução, posteriormente descumprida. Compreensão contrária que redundaria em premiar o executado por seu comportamento contrário à lei. Precedentes do C. Superior Tribunal de Justiça e desta Corte. V. Excesso de execução. Contrariedade do devedor que veio desacompanhada do demonstrativo discriminado e atualizado do cálculo. Providência exigida pelo artigo 525, § 4º, do Código de Processo Civil. Magistério doutrinário. Precedentes deste E. Tribunal. VI. Relativização das necessidades das exequentes. Matéria levantada que se revela incabível para apreciação em sede de execução de alimentos. Entendimento desta Câmara. Licitude do decreto de custódia. VII. Prisão, nos termos do artigo 6º, Recomendação 62/20, CNJ, que deverá ser na modalidade domiciliar, enquanto perdurar a pandemia de Covid-19 DECISÃO PRESERVADA. AGRAVO DESPROVIDO.”

(TJ-SP – AI: 20025547320208260000 SP 2002554-73.2020.8.26.0000, Relator: Donegá Morandini, Data de Julgamento: 31/03/2020, 3ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 31/03/2020)

 

Ressalte-se que, apesar da suspensão dos prazos e do atendimento remoto em muitos Tribunais brasileiros, o inadimplemento da pensão alimentícia ou mesmo o abuso das atuais circunstâncias para obstaculizar, sem justo motivo, as visitas regulares podem ser objeto de discussão em ação judicial, cabendo ao advogado analisar a questão detidamente para avaliar a situação e indicar o melhor caminho a ser seguido.

 

Inobstante, também é fundamental aclarar que é obrigação do guardião ou da guardiã, disponibilizar os meios tecnológicos (conexão com internet, computador, celular, microfone e câmera) para possibilitar a visita virtual, sob pena da visita ser ampliada ou da guarda ser invertida temporária, enquanto durar a pandemia ou quarentena.

 

Em tempos de Pandemia, tudo tem se modificado muito rapidamente nas mais amplas esferas no mundo, de modo que a consulta ao seu advogado é indispensável para o resguardo dos direitos.

 

Ádala Buzzi – adala.buzzi@brasilsalomao.com.br