Em tempos de pandemia do coronavirus, questão relevante vem sendo levantada quanto a cobertura, pelo seguro de vida, dos casos em que o falecimento do segurado se deu por causa da COVID-19.
Isto porque é comum nos contratos de seguro de vida encontrarmos as chamadas "clausulas excludentes de cobertura", em que são excluídas da esfera de responsabilidade da seguradora a possibilidade de cobertura de um ou mais fatores de risco, que, por tornarem desequilibrada a relação entre seguradora e segurado, podem ter o pagamento de prêmio recusado por ela.
Dentre estes fatores de risco que autorizam a excludente de cobertura, estão consagrados a pandemia e a epidemia declaradas por órgão competente, conforme atual redação do artigo 12, I, "d", previsto na Circular da SUSEP nº 440, de 27 de junho de 2012:
Art. 12. As exclusões específicas relativas a cada cobertura deverão estar relacionadas logo após a descrição dos riscos cobertos em todos os documentos contratuais, inclusive nos bilhetes, apólices e certificados individuais, e estão limitadas a:
I – Nas coberturas classificadas como microsseguro de pessoas:
d) epidemia ou pandemia declarada por órgão competente.
Importa ressaltar que a cláusula excludente de cobertura deve ser expressa, ou seja, deve constar do contrato de seguro de maneira clara e objetiva, conforme ditames do Código de Defesa do Consumidor, mais precisamente, em seus artigos 30 e 46.
Ainda, há que se comentar que, para que seja excluída a indenização, deve ficar plenamente comprovado o falecimento em decorrência de doença infecciosa ligada diretamente à pandemia.
Aqui reside o problema.
No atual cenário da pandemia, a falta de testes para se confirmar a existência da doença é notória e afeta diretamente a relação entre seguradoras e segurados, uma vez que, conforme a Portaria Conjunta expedida pelo Conselho Nacional de Justiça e Ministério da Saúde de n° 1, publicada em 30/03/2020, há previsão expressa de que, havendo morte por doença respiratória suspeita para Covid-19, não confirmada por exames ao tempo do óbito, deverá ser consignado na Declaração de Óbito a descrição da causa mortis como "provável para Covid-19" ou "suspeito para Covid-19".
O cenário, como pode-se imaginar, será levado ao judiciário para debate. Afinal, uma vez que não se encontra comprovado o real motivo da morte, deverá ou não a seguradora indenizar? A Certidão de Óbito que fala em causa mortis "provável para Covid-19" pode impedir, por si só, a indenização? E a Certidão de Óbito, poderá ser alterada após comprovado que a morte não foi causada por COVID-19?
No caso, temos que a pandemia do coronavirus já foi declarada pelo órgão competente, Congresso Nacional, por meio do Decreto Legislativo nº 6 de 20 de março de 2020, o que autorizaria a aplicação da cláusula de exclusão de responsabilidade, restando a questão da real comprovação dos motivos que levaram o segurado à morte.
Assim, uma vez que há morte causada por COVID-19, comprovada por exame definitivo, nos parece que a seguradora, de fato, não deverá pagar o prêmio do seguro. O fundamento de desiquilíbrio contratual trazido em situações como pagamento de seguro de morte por doença causada via pandemia é argumento forte para manter a ausência de responsabilidade da seguradora em eventual questionamento judicial, eis que as mortes de segurados causados por uma situação que ultrapassa em muito à realidade contabilizada e estimada, podem levar a seguradora até mesmo a um estado de falência.
Entretanto, não se comprovando o real motivo da morte, nos parece que o direito de indenizar da seguradora permanecerá, ainda que a Certidão de Óbito conste "provável para Covid-19" ou "suspeito para Covid-19", pois a negativa do seguro depende de prova cabal da existência fática da circunstância prevista na cláusula de exclusão, bem como de que a doença foi causa do falecimento.
Como exemplo notório, o STJ ao julgar sobre a exclusão da responsabilidade da seguradora por acidente automobilístico, causado por motorista com embriaguez comprovada, afirma que só haverá exclusão da indenização, quando o agravamento de risco dela decorrente influir decisivamente na ocorrência do sinistro.
É o caso clássico em que o motorista, embriagado, parado em um semáforo fechado, parte adiante tão logo liberada a cor verde, sendo abalroado, logo após, por outro veículo que atravessara o sinal vermelho à sua direita, vindo a causar a morte do motorista ébrio.
Como este em nada influenciou na ocorrência do acidente, cruzando a travessia quando a legislação lhe permitia, a seguradora não poderá negar-se a indenizá-lo, mesmo existindo a cláusula de exclusão de cobertura quando o segurado, em acidente automobilístico, estiver embriagado.
No caso de morte por "provável para Covid-19" ou "suspeito para Covid-19", mesmo que constantes da Certidão de Óbito, é possível a discussão judicial quanto ao recebimento da indenização pelo segurado, cabendo ao judiciário analisar a questão ante a ausência de comprovação de que a doença foi a causa real do evento morte, portanto, não existindo razões para o afastamento da indenização.
Quanto a certidão de óbito, esta poderá ser alterada a qualquer momento quando comprovada a real causa da morte, nos termos do artigo 109 da Lei de Registros Públicos (Lei nº 6.015 de 31 de dezembro de 1973).
Portanto, temos que é possível para as Seguradoras a exclusão da cobertura para casos de morte por doenças derivadas de pandemia ou epidemia, desde que estas circunstâncias tenham sido declaradas pela autoridade competente, bem como que estejam expressamente relacionadas logo após a descrição dos riscos cobertos em todos os documentos contratuais, inclusive nos bilhetes, apólices e certificados individuais e, finalmente, quando comprovado, de maneira cabal, que a causa determinante para a morte foi a doença causada pelo coronavírus, SARS-CoV-2.
Quanto aos casos que não atendam aos parâmetros acima estabelecidos, caberá ao judiciário analisar o caso concreto, sendo defensável argumentar a não aplicação da cláusula excludente de responsabilidade da seguradora, sendo obrigação desta comprovar a existência da causa impeditiva do direito do segurado.
Por fim, importa frisar que, apesar de ser comum sua aplicação, conforme mencionado, algumas seguradoras não preveem em seus contratos a cláusula de exclusão de responsabilidade em questão, sendo de suma importância a análise dessas cláusulas no momento da contratação para escolha da melhor cobertura possível ao segurado.
Rafael Paulo da Silva
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