Uso antecipado de garantias financeiras para os contratos de locação imobiliária
Diante do notório estado de calamidade pública em todo território nacional, surge insegurança nas relações dos contratos de locação imobiliária. As medidas para conter o COVID-19 que, em síntese, são voltadas para evitar a circulação e aglomeração de pessoas, acabam por restringir o funcionamento de empresas e serviços não essenciais, gerando impactos diretos na economia e, consequentemente, na vida financeira da população.
Ainda que a revisão contratual seja uma garantia para a manutenção do equilíbrio entre as partes, mesmo diante das situações extraordinárias e imprevisíveis (teoria da imprevisão) ocasionadas pela restrição de circulação de pessoas, a realidade jurídica hodierna não nos permite, de imediato, contornar quais seriam os entendimentos favoráveis de nossos Tribunais para restabelecimento do equilíbrio contratual.
Recentemente, em uma ação renovatória de locação com pendência de ação revisional, o Poder Judiciário proferiu decisão de tutela de urgência para que a locadora fosse obstada de constituir o locatário em mora, intentar ação de cobrança e ou despejo, enquanto perdurar o período de quarentena, resguardando ainda o mínimo de 4 (quatro) meses após o retorno das atividades para reinício dos pagamentos. A referida decisão teve como fundamento as orientações do Ministério da Saúde e a restrição de circulação de pessoas no comércio (1027402-35.2020.8.26.0100).
Da mesma forma e com fundamentos semelhantes, sobreveio outro deferimento de tutela de urgência que determinou o pagamento de 30% do valor original do aluguel para o locador (1026645-41.2020.8.26.0100).
Finalmente, no processo de n. 1006355-74.2020.8.26.0562 a decisão afastou a possibilidade de moratória no pagamento de aluguel em situação de força maior com argumentos muito contundentes.
Mesmo que as decisões mencionadas sejam favoráveis a uma ou outra parte, no momento não podemos fixar entendimentos suficientes para maior segurança da intervenção estatal, seja por conta das atuais jurisprudências e medidas legislativas, seja para a manutenção do equilíbrio nas relações contratuais.
Nesse sentido, ainda que válidas as justificativas para ingresso de medida judicial, a melhor saída seria o ajuste consensual entre as partes de novos termos e condições usando do bom senso e buscando preservar a função social do contrato.
Dessa forma, tendo em vista o alto índice de locações de imóveis residenciais e comerciais no Brasil, em alguns contratos existem garantias que poderiam ser utilizadas de maneira antecipada para fins de evitar eventual resolução, como por exemplo títulos de capitalização, caução e outras que eventualmente envolvam o adiantamento de alguma quantia ao locador ao ser feito o contrato para segurança do cumprimento de suas cláusulas pelo locatário.
Com o intuito de evitar o inadimplemento contratual, havendo garantia a sua utilização atualmente se mostra como uma forma eficaz de evitar prejuízos para as partes, haja vista que sua finalidade é a satisfação e compensação de dívidas locatícias ou mesmo para reforma do imóvel ao seu término.
Como alternativa para este período em que ambas as partes estejam em dificuldades decorrentes da pandemia, de comum acordo as garantias financeiras poderiam ser utilizadas para satisfazer o pagamento do aluguel mensal. Par disso, locatário e locador poderão ajustar sobre a liberação proporcional da caução dado em garantia, ou até mesmo, analisando eventual seguro feito, utilizá-lo para que as partes cheguem a um bom termo.
Como toda garantia locatícia tem por finalidade a atribuição de segurança para ambas as partes, todavia, o uso dela deverá ser – o quanto antes possível – reposto ou mesmo substituído imediatamente por outra que não envolva tanta liquidez quanto o dinheiro.
Como toda avença, ainda que a vontade das partes seja soberana, cumpre ressaltar a importância da presença de um profissional da área jurídica para o devido contorno das obrigações e, portanto, segurança jurídica ao negócio que for definido elas.
Embora a atual situação não conte com precedentes na história nacional, em analogia, merecem destaques os contratos de locações em locais com riscos de confrontos e fenômenos naturais, que possuem cláusulas específicas com a finalidade de manter o equilíbrio em situações imprevisíveis e extraordinárias, como por exemplo, o uso antecipado das garantias contratuais.
Por fim, mesmo que a Lei de Locação e o Código Civil, aliados às teorias da imprevisibilidades das relações e da não onerosidade excessiva, possam permitir revisão contratual, para que as partes não fiquem sujeitas às intempéries do Judiciário, ideias criativas e que permitam reduzir os prejuízos a todos (e manter os contratos) sempre serão bem-vindas, sendo o exemplo aqui trazido como uma das que podem ser pensadas como forma emergencial de amenizar as contraprestações da relação, uma vez que, excepcionalmente, ambas as partes vivenciam.
HELENA VICENTINI
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JULIA SCHROEDER DE N. RIBEIRO
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RICARDO SORDI MARCHI
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