Em tempos de crise, notoriamente, o pagamento em atraso de mensalidades de planos de saúde é algo muito comum.
Nesse cenário, surge a importância de avaliar se os juros de mora decorrentes do recebimento em atraso de mensalidades devem ser incluídos ou não na apuração da base de cálculo das contribuições do PIS e da COFINS.
A Secretaria da Receita Federal do Brasil tem defendido a tributação dos valores, apoiando-se na Solução de Consulta COSIT nº 134, de 19 de setembro de 2018 (disponível para acesso em http://normas.receita.fazenda.gov.br//sijut2consulta/link.action?visao=anotado&idAto=95132). Para a fiscalização federal, os juros decorrem da atividade operacional praticada pela pessoa jurídica e devem, portanto, sofrer a tributação de PIS/COFINS.
Não nos parece, no entanto, o entendimento mais adequado.
Vale relembrar que as cooperativas estão sujeitas ao regime cumulativo, no tocante aos tributos PIS/COFINS, exceção feita às de produção agropecuária e de consumo (art. 10, VI, da Lei 10.833/2003).
No caso do regime de apuração cumulativa, as contribuições para o PIS e a COFINS, devidas pelas pessoas jurídicas de direito privado, serão calculadas com base no seu faturamento, compreendendo a receita bruta. É o que dispõem os artigos 2º e 3º da Lei 9.718/1998.
No faturamento a ser levado à tributação se incluem apenas receitas ligadas ao objeto principal da pessoa jurídica. Nesse sentido, aliás, há reiteradas decisões do STF (RE nº 367.482 e RE nº 371.258-AgR) e já decidiu a própria Receita Federal (SOLUÇÃO DE CONSULTA COSIT Nº 30, DE 21 DE JANEIRO DE 2019).
Pois bem, os juros (receitas de mora) decorrentes do recebimento em atraso das contraprestações pecuniárias a cargo dos contratantes de planos de saúde configuram mera recomposição de valores, uma indenização, paga/creditada pelo devedor, que visa à compensação de perdas sofridas pelo credor em virtude da mora.
Os juros não são grandezas decorrentes da atividade ou objeto principal da cooperativa e não podem, por isso, integrar a base de cálculo do PIS e da COFINS, sob pena de manifesta infringência ao conceito de faturamento ou receita bruta. São típicas receitas financeiras, como, inclusive, reconhece a própria ANS[1].
Em outras palavras, não é qualquer receita que pode ser considerada faturamento para efeito de incidência de PIS e COFINS. Em se tratando, os juros, de (i) mera recomposição de valores, e (ii) grandezas não decorrentes da atividade ou objeto principal, não há como se admitir a inclusão dessas receitas na base de cálculo dos tributos.
O tema foi abordado de maneira mais aprofundada em artigo de nossa autoria, componente da obra “Direito Tributário e Financeiro III: Garantias Constitucionais e Contexto Contemporâneo”[2], lançada recentemente.
[1] A Resolução Normativa nº 472, de 29 de setembro de 2021, disponível para acesso em www.ans.gov.br, classifica, na codificação do plano de contas padrão, as receitas decorrentes do recebimento em atraso de mensalidades como RECEITAS FINANCEIRAS.
[2] Direito Tributário e Financeiro III: garantias constitucionais e contexto contemporâneo / organização Angelo Boreggio e Larissa Vallent – Salvador, BA: Editora Mente Aberta, 20 de junho de 2022. Texto 21, intitulado de “Da não incidência das contribuições ao PIS e da COFINS, no regime de apuração cumulativa, sobre os juros de mora decorrentes do recebimento em atraso das mensalidades de planos de saúde: análise com foco em cooperativas de trabalho médico/operadoras de planos de saúde”, escrito por Rodrigo Forcenette e João Augusto M. S. Michelin.