O Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde da ANS é a cobertura mínima obrigatória de procedimentos e eventos em saúde que deve ser garantida por operadora de plano privado de assistência à saúde, de acordo com a segmentação do plano de saúde contratado, e há anos o Judiciário busca definir se o mesmo seria taxativo ou exemplificativo.
Este conflito de opiniões sobrecarrega o Judiciário com inúmeras demandas e sempre despertou severa insegurança jurídica, tanto aos beneficiários quanto as Operadoras de Planos de Saúde, tendo em vista que todas as questões levadas a juízo, diante da ausência de uma decisão uníssona sobre o tema pelo Judiciário, ficavam a mercê não da legislação de regência da matéria, mas, sim, das convicções do julgador.
Neste passo, muitas foram as discussões e debates havidos sobre o tema, até que, em recente julgamento, finalizado no dia 08 de junho de 2022, a Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu ser taxativo, em regra, o rol de procedimentos e eventos estabelecido pela ANS, desobrigando as Operadoras a cobrirem tratamentos não previstos na lista.
Neste sentido, os Ministros assim definiram: 1. O rol de procedimentos e eventos em saúde suplementar é, em regra, taxativo; 2. A operadora não é obrigada a arcar com tratamento não constante do rol da ANS, se existir outro procedimento eficaz, efetivo e seguro já incorporado ao rol; 3. É possível a contratação de cobertura ampliada ou a negociação de aditivo contratual para a cobertura de procedimento extra rol; 4. Não havendo substituto terapêutico ou esgotados os procedimentos do rol da ANS, pode haver, a título excepcional, a cobertura do tratamento indicado pelo médico ou odontólogo assistente, desde que (i) não tenha sido indeferido expressamente, pela ANS, a incorporação do procedimento ao rol; (ii) haja comprovação da eficácia do tratamento; (iii) haja recomendações de órgãos técnicos de renome nacionais e estrangeiros; e (iv) seja realizado, quando possível, o diálogo interinstitucional do magistrado com entes ou pessoas com expertise técnica na área da saúde.
Logo, poder-se-ia pensar: questão definida, correto? Infelizmente, não. Isto porque, referida decisão não se deu em sede de julgamento de demandas repetitivas ou foi objeto de sumula vinculante, o que permite que os tribunais estaduais não sigam referido entendimento do STJ.
Com a decisão do STJ, o efeito cascata nas discussões legislativas foi imediato, com a propositura de vários projetos de lei para alteração da Lei 9.656/99 – Lei dos Planos de Saúde. Entre eles, o Projeto de Lei nº 2033/2022, aprovado em 29.08.2022 pela Senado e sancionado pelo Presidente Jair Bolsonaro em 21.09.2022, dando origem à Lei 14.454 de 21/09/2022, cujo teor altera artigos da Lei nº 9.656/99, estabelecendo que o rol da ANS se mantém como “referência básica” para os planos privados e demais contratos aplicáveis, uma vez que fixará as diretrizes de atenção à saúde.
Todavia, qualquer tratamento fora do Rol de Procedimentos e Eventos da ANS, deverá ser coberto, desde que cumpridas determinadas condições, sendo, relevante aqui, destacar três pontos de alteração.
O primeiro, já no artigo 1º, com a inserção do Código de Defesa do Consumidor como fonte de aplicabilidade direta nas relações entre beneficiários e Operadoras de Planos de Saúde, fato este que, anteriormente, era apenas considerada a aplicação subsidiária, nos termos do artigo 35-G.
Segunda e terceira alterações estão na redação do §4.º, do artigo 10 da Lei 9.656/98, com a introdução dos §§12 e 13 no mesmo artigo, que disciplinam as hipóteses não contempladas pelo rol da ANS. A redação torna soberana a prescrição do médico ou odontólogo assistente, bem como, determina que a cobertura deverá ser autorizada pela Operadora de Planos de Saúde, desde que cumpridos os requisitos dos incisos I e II do mesmo parágrafo 13º.
Aí a grande diferença entre a Lei 14.454 de 21/09/2022 e a decisão proferida pelo STJ nos Embargos de Divergência 1.889.704-SP e 1886929-SP: enquanto esta coloca como pressuposto para a cobertura fora do rol da ANS que não haja substituto terapêutico para o tratamento prescrito ao paciente ou que sejam esgotados os procedimentos previstos expressamente no rol, a Lei 14.454 de 21/09/2022 não faz a mesma exigência.
No mais, a Lei 14.454 de 21/09/2022 estabelece requisitos muito próximos dos fixados pelo STJ, fazendo referência expressa à necessidade do tratamento ou procedimento não ser experimental, ou seja, ter comprovação da sua eficácia à luz da medicina baseada em evidências, bem como a necessidade de existir recomendações de órgãos técnicos nacionais e estrangeiros.
Desta maneira, persiste o embate entre o caráter taxativo ou exemplificativo do Rol, sendo que tanto a decisão do STJ, quanto a Lei 14.454 de 21/09/2022, por ora, se apresentam como mais uma página do debate sobre o tema, que permanecerá em discussão na esfera jurídica, política ou social, enquanto não houver decisão definitiva firmada sobre o tema.