VOTO PLURAL: DISSOCIAÇÃO ENTRE VOTO E PARTICIPAÇÃO ECONÔMICA NA COMPANHIA
VOTO PLURAL: DISSOCIAÇÃO ENTRE VOTO E PARTICIPAÇÃO ECONÔMICA NA COMPANHIA

VOTO PLURAL: DISSOCIAÇÃO ENTRE VOTO E PARTICIPAÇÃO ECONÔMICA NA COMPANHIA

10/27/21

 

Entre diversas alterações e polêmicas trazidas pela Lei 14.195/2021, popularmente conhecida como Lei do Ambiente de Negócios, a instituição do voto plural, amplamente difundida e adotada no exterior como nos Estados Unidos e Reino Unido, talvez seja um dos tópicos mais relevantes e impactantes na disciplina societária no Brasil.

 

Isto pois, por meio dele, é possível, ao afastar a regra geral de que cada ação tem direito a um voto (artigo 110 da Lei de Sociedades Anônimas), garantir o controle da companhia sem, contudo, deter maioria do capital social (artigo 110-A da Lei de Sociedades Anônimas).

 

A pluralidade do voto consiste em atribuir ao voto dos detentores de uma determinada classe de ações maior peso. Isso permite conciliar a captação de recursos com a manutenção da estrutura de controle da empresa. Antes da edição da referida lei, esse desbalanço entre ação e poder de voto era expressamente vedado pelo artigo 110, § 2º, da Lei de Sociedades Anônimas, de forma que nas deliberações sociais cada ação correspondia a um voto.

 

A instituição do voto plural, mediante a inclusão do artigo 110-A na Lei de Sociedades Anônimas, é vista com bons olhos por uma parte dos estudiosos, que já viam nesse mecanismo a solução para um movimento comum no Brasil: a abertura de capital de empresas nacionais em bolsas de valores estrangeiras, onde o mecanismo é permitido.

 

Tal realidade era especialmente latente nas startups, uma vez que, em função do elemento inovador de que lhes é típico, faz-se fundamental o controle da gestão pelos fundadores para adequada execução do plano de negócios.

 

No entanto, alguns setores ainda veem com receio essa inovação. Nesse meio, destaca-se a afirmativa de que uma mudança tão substancial não deveria ser veiculada por medida provisória, mas sim objeto de amplo diálogo com diversos setores da sociedade. Afirma-se, ainda, que o abandono do voto singular pode causar sérios impactos na governança corporativa.

 

A Lei, contudo, não foi um desacato a esses dissensos, trazendo o instituto repleto de salvaguardas.

 

A princípio cumpre destacar que o voto plural está limitado a 10 votos por ação ordinária e só pode ser instituído em companhias fechadas e abertas que não tenham negociado quaisquer ações ou valores mobiliários conversíveis em ações de sua emissão em mercados organizados de valores mobiliários.

 

Foi instituída também a sunset clause, a qual limita a duração do voto plural a 7 anos, prorrogáveis por qualquer prazo, contanto que se observe o quórum mínimo de votação, que se exclua dessa os titulares de ações da classe em questão e que se assegure o direito de retirada aos acionistas dissidentes. Ainda, é possível estipular o fim do voto plural condicionado a um evento ou a termo.

 

A criação dessa classe de ações depende da anuência de metade dos votos conferidos pelas ações com direito a voto e de metade daquelas sem o mesmo direito ou com direito restrito, podendo o estatuto social elevar este quórum. Aos acionistas dissidentes assegura-se o direito de retirada em caso de discordância, mediante reembolso do valor de suas ações, salvo se a criação da classe de ações ordinárias com atribuição de voto plural já estiver prevista ou autorizada pelo estatuto social.

 

Ainda, a concessão de voto plural tem caráter personalíssimo. Isso porque, serão automaticamente convertidas em ações ordinárias sem voto plural caso (i) sejam transferidas a terceiros, desde que o alienante não permaneça indiretamente como único titular de tais ações e no controle de seus direitos políticos, o terceiro seja titular da mesma classe de ações como voto plural que a ele foram alienadas ou a transferência ocorra no regime de titularidade fiduciária para fins de constituição do depósito centralizado; ou (ii) seja celebrado acordo de acionistas para exercício conjunto do direito de voto entre acionistas com direito de voto plural e acionistas sem direito de voto plural.

 

Ademais, o voto plural não será aplicado a deliberações que digam respeito a remuneração de administradores ou celebração de transações com partes relacionadas que atendam aos critérios de relevância a serem definidos pela CVM.

 

São vedadas, ainda, operações de incorporação, incorporação de ações e de fusão de companhia aberta que não adote voto plural e cujas ações ou valores mobiliários conversíveis em ações sejam negociados em mercados organizados por companhia que adote o voto plural, bem como a cisão de companhia aberta que não adote voto plural e cujas ações ou valores mobiliários conversíveis em ações sejam negociados em mercados organizados para constituição de nova companhia que adote voto plural ou incorporação da parcela cindida em companhia que o adote. Da mesma forma, é vedada a adoção de voto plural pelas empresas públicas, sociedades de economia mista, suas subsidiárias e sociedades controladas direta ou indiretamente pelo poder público.

 

Posto isso, com o universo dos investimentos se popularizando dia após dia, espera-se que a nova medida seja mais uma opção para endereçamento dos riscos, aflições e problemas daqueles que buscam financiar suas atividades e que o mercado valore se esta medida é positiva ou negativa para a sociedade a ser investida quando de sua adoção, no amplo exercício da autonomia privada.

 

Juliana Jordani Gomes

juliana.jordani@brasilsalomao.com.br

 

Mateus Ayupe Resende de Lima

mateus.lima@brasilsalomao.com.br

 

Pedro Saad Abud

pedro.saad@brasilsalomao.com.br