Discussões sobre a transformação da EIRELI em sociedade limitada unipessoal
Discussões sobre a transformação da EIRELI em sociedade limitada unipessoal

Discussões sobre a transformação da EIRELI em sociedade limitada unipessoal

10/27/21

 

Em 27 de agosto de 2021, a Lei nº 14.195/2021 foi publicada no Diário Oficial da União, após conversão da Medida Provisória nº 1.040 (“MP 1.040/2021”), adotada pelo Presidente da República em março de 2021.

 

Dentre as mudanças trazidas pela nova legislação, destaca-se o artigo 41, que prevê:

 

“Art. 41. As empresas individuais de responsabilidade limitada existentes na data da entrada em vigor desta Lei serão transformadas em sociedades limitadas unipessoais independentemente de qualquer alteração em seu ato constitutivo. Parágrafo único. Ato do DREI disciplinará a transformação referida neste artigo.”

 

Assim, na forma da competência conferida pela lei, o Departamento Nacional de Registro Empresarial e Integração (DREI) disponibilizou, em 9 de setembro de 2021, o Ofício Circular nº 3510/2021, o qual não só orientou as Juntas Comerciais a transformarem automaticamente as empresas individuais de responsabilidade limitada (EIRELI’s) existentes em sociedades limitadas, como também reconheceu que, com a entrada em vigor da Lei nº 14.195/2021, o inciso VI do artigo 44 e o artigo 980-A, ambos do Código Civil, estariam tacitamente revogados, com base no §1º do artigo 2º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (Decreto-Lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942).

 

A revogação tácita foi assumida pelo DREI devido à presença, no Projeto de Lei de Conversão da MP 1.040/2021 (PLV nº 15/2021), que originou a Lei nº 14.195/2021, das alíneas “a” e “e”, do inciso XXIX, do artigo 57, que revogavam, dentre outros artigos, as disposições relativas à EIRELI. Como esses dispositivos também suprimiam outras normas do Código Civil que, no entendimento da Presidência da República, não deveriam ser revogados e devido a impossibilidade de veto parcial em projeto de lei, tais alíneas não foram incluídas na normativa final. Logo, o Departamento considera que, em vista da permanência do artigo 41, o veto não foi direcionado à extinção da pessoa jurídica em questão, que deveria ter ocorrido.

 

No entanto, a despeito do ofício do DREI, é importante registrar que uma parcela de doutrinadores entende que não houve a exclusão do instituto da EIRELI, dado que, em vista do veto à revogação dos dispositivos que dela tratam, não existe impedimento na legislação atual à constituição dessa pessoa jurídica, apenas uma previsão para transformação daquelas já existentes no momento da entrada em vigor da Lei nº 14.195/2021. Assim, conforme o ordenamento jurídico vigente, há um provável cenário de diminuição da utilização da EIRELI, mas nada que impeça sua criação.

 

Nesse sentido, o próprio DREI, embora tenha assumido a revogação tácita do inciso VI do art. 44 e do art. 980-A, entende que a permanência dessas normas, no Código Civil, pode ensejar insegurança jurídica e interpretações dúbias, razão pela qual já elaborou proposição de Medida Provisória para que os dispositivos supracitados sejam expressamente revogados.

 

Do ponto de vista estrutural, ambos instrumentos são semelhantes: a empresa individual de responsabilidade limitada está prevista no artigo 980-A do Código Civil, que estabelece sua constituição por uma única pessoa titular da totalidade do capital social, o qual não pode ser inferior a 100 (cem) vezes o maior salário-mínimo vigente no país; e a sociedade limitada unipessoal, fruto da Lei nº 13.874/2019, chamada Lei da Liberdade Econômica, está definida nos §§ 1º e 2º do artigo 1.052 do Código Civil, que restringe a responsabilidade do sócio ao valor de suas quotas, sem, contudo, estipular uma limitação de capital mínimo para constituição da sociedade.

 

Esses institutos foram estabelecidos com o intuito de viabilizar a separação do patrimônio do titular, bem como a limitação de sua responsabilidade, através da criação de uma personalidade jurídica constituída por apenas um membro e que funcione como um centro de imputação autônomo de responsabilidades. Todavia, desde a entrada em vigor da Lei de Liberdade Econômica, a EIRELI tem deixado de ser utilizada, já que apresenta uma exigência não prevista para sociedade limitada unipessoal (capital social mínimo).

 

Desse modo, o entendimento consolidado no ofício do DREI é de que as disposições da empresa individual de responsabilidade limitada perderam sua vigência diante da Lei nº 14.195/2021, devendo tais pessoas jurídicas passarem diretamente a ser registradas como sociedades limitadas unipessoais, por meio de uma alteração integrada nas bases de dados. Nesse ponto, o ofício declara que, em virtude da integração dos órgãos de registro e legalização de empresários e pessoas jurídicas e das comunicações existentes no âmbito da Redesim, faz-se necessário que seja alterada não só a base de dados das Juntas Comerciais, para contemplar a transformação supramencionada, mas também a base de dados do Governo federal, sobretudo a do Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas (CNPJ).

 

Tal inclusão é essencial para se abarcar nessa transformação tanto as EIRELI’s empresárias, as quais exercem atividade econômica de forma profissional e organizada, preenchendo os elementos do artigo 966 do Código Civil, e têm seus atos registrados na Junta Comercial; quanto as EIRELI’s simples, que se destinam a realização de atividades intelectuais, de natureza científica, literária ou artística, e estão vinculadas ao Registro Civil de Pessoas Jurídicas, realizado em cartório.

 

Quanto às alterações no sistema das Juntas, será aberta uma solicitação de apuração especial para que os CNPJs cadastrados como empresas individuais de responsabilidade limitada sejam convertidos em sociedades empresárias limitadas, bem como seus códigos de identificação e a partícula identificadora no nome empresarial.

 

No âmbito dos cartórios, por sua vez, foi definido apenas que não serão aceitos novos pedidos de constituição de EIRELI’s, sendo as transformações ainda dependentes de orientação do Instituto de Registro de Títulos e Documentos e de Pessoas Jurídicas.

 

Frente a isso, questiona-se a natureza das sociedades limitadas unipessoais que seriam criadas a partir das EIRELI’s simples. Como se sabe, de acordo com o art. 983 do Código Civil, a sociedade simples pode constituir-se sob a forma de sociedade simples pura ou sob um dos tipos regulados nos artigos 1.039 a 1.092, na qual se inclui a sociedade limitada. Dessa forma, diante da previsão de unipessoalidade da sociedade limitada no §1º do artigo 1.052 do Código Civil, é possível que a sociedade simples constituída sob esse tipo societário possa também ser unipessoal, sendo coerente que a EIRELI simples deva ser convertida em uma sociedade simples unipessoal limitada. Isso porque, da mesma maneira que a EIRELI simples, a sociedade simples é caracterizada por ser uma sociedade de pessoas.

 

Por fim, diante das previsões contidas no ofício, o DREI descreve as seguintes orientações às Juntas Comerciais: incluir na ficha cadastral das EIRELI’s já constituídas a informação de que foram transformadas em sociedades limitadas; dar ampla publicidade sobre a extinção da EIRELI e a possibilidade de constituição da sociedade limitada por apenas uma pessoa, bem como realizar medidas necessárias à comunicação dos usuários acerca da conversão automática das EIRELI em sociedades limitadas; abster-se de arquivar a constituição de novas empresas individuais de responsabilidade limitada; e realizar normalmente o arquivamento de alterações e extinções de empresas individuais de responsabilidade limitada, até que ocorra a efetiva alteração do código e descrição da natureza jurídica nos sistemas da Redesim.

 

Na prática, já é possível visualizar a aplicação dessas orientações. À exemplo, a Junta Comercial do Estado de São Paulo disponibilizou um comunicado em sua página inicial, expondo algumas instruções: não preencher pedido de constituição de EIRELI; os pedidos de constituição de EIRELI já preenchidos e com DARE pago deveriam ter sido protocolados impreterivelmente até 17.09.2021, sendo, após essa data, indeferidos sem restituição de valores; caso tenha iniciado o preenchimento da constituição como EIRELI, porém não realizado o pagamento do DARE, deve-se refazer o pedido como limitada unipessoal, ou, caso tenha realizado o pagamento, não protocolar o pedido e solicitar a restituição, porque o protocolo deve ser como limitada unipessoal.

 

Portanto, o ofício do DREI oficializou a revogação da empresa individual de responsabilidade no ordenamento jurídico brasileiro com a determinação de transformação automática das EIRELI’s em sociedades limitadas e da abstenção do arquivamento de novos pedidos de constituição dessa pessoa jurídica. Até que se concretize tal transformação automática, não há necessidade de realizar somente a alteração da natureza jurídica da EIRELI aberta, diante dos custos que esse ato acarreta, mas, caso seja necessário fazer algum tipo de registro, entendemos pertinente que já se formalize a transformação da EIRELI em sociedade limitada unipessoal, a fim de adequá-la às orientações emitidas pelo DREI. 

 

Denilson Pires do Couto Júnior

E-mail: denilson.pires@brasilsalomao.com.br

 

Lívia Molina Soares

E-mail: livia.molina@brasilsalomao.com.br

 

Pedro Saad Abud

E-mail: pedro.saad@brasilsalomao.com.br