aperto de mão entre sócios
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Conflitos e impasses societários: uma anatomia do declínio

13/05/22

O contrato de sociedade é um casamento que se pretende duradouro e fértil, duradouro porque ao nascer grande parte das sociedades não tem prazo de validade, e fértil porque já nascem com o único objetivo de desenvolver uma atividade econômica organizada e lucrativa.

 

Nascem, no entanto, de formas diversas, que melhor acomodem o interesse dos sócios, o tipo de negócio que será desempenhado e sua dimensão, devendo pautar-se antes na eficiência da estrutura escolhida e em seu modelo de gestão para se dê o primeiro passo sem entraves ou dificuldades.

 

A neonata sociedade e os sócios, em seu casamento recém iniciado, seja qual forma tenham adotado (sociedade simples, limitada ou anônima), passarão diariamente pela necessária e inevitável tarefa de administrar o negócio e tomar decisões voltadas para o melhor desenvolvimento da sociedade, tendo como ponto focal o interesse comum dos sócios que será sempre o desenvolvimento lucrativo do negócio.

 

Em algumas sociedades há de forma clara um sócio controlador que pode exercer sobre os demais sócios, de forma isolada, o poder de impor sua vontade sobre o destino da sociedade nas deliberações sociais e na administração do negócio, cabendo aos sócios minoritários fiscalizar a atividade do controlador e combater o abuso de poder de controle caso controlador abuse de sua posição societária dominante.

 

Em outras sociedades, no entanto, a posição de controle não é de fato bem definida, havendo sociedades em que não se tem um controlador definido (com mais de 75% o capital social nas sociedades limitadas, ou 50% mais um das ações das sociedades anônimas), havendo ainda as sociedades paritárias (50/50) e sociedades igualitárias em que diversos sócios possuem a mesma participação social, e por fim as sociedades em que não se tem um controlador definido, com mais dispersão do capital entre diversos sócios ou acionistas (aqui não se está a falar sobre capital pulverizado, mas disperso entre alguns sócios, seja a sociedade anônima ou limitada).

 

Em todo caso, quando não se há um controlador definido, para que a sociedade seja bem sucedida é necessário, antes de tudo, que haja harmonia entre os sócios e que, para que essa harmonia prevaleça, sejam criadas estruturas societárias que a fortaleçam e formas de solução de conflitos e impasses que evitem ou mitiguem o desgaste nas relações societárias.

Mas como conciliar tantos interesses de forma eficiente?

 

Em um primeiro momento, é preciso sinalizar a importância de uma base sólida e bem refletida para a sociedade – seu contrato social. É nesse documento em que estão contidas as regras gerais da estruturação da sociedade, os direitos de cada sócio, suas obrigações, as previsões sobre como são tomadas as decisões sociais, como será procedida a dissolução em caso de morte, retirada ou exclusão, como serão distribuídos os lucros aos sócios.

 

O contrato social é o ponto de partida de toda sociedade, e de suma importância que deve ser elaborado com cautela, considerando quais problemas a sociedade poderá sofrer no futuro para desde logo regulá-los contratualmente, compondo interesses conflitantes e balanceando os direitos patrimoniais e políticos dos sócios.

 

Quanto mais minucioso e detalhado for o contrato social, mais situações suas previsões abrangem e, em razão disso, mais protegidos estão os sócios e a sociedade caso haja algum conflito a ser dirimido.

 

Além do contrato social, existem os pactos parassociais ou acordos de sócios, que buscam detalhar, incrementar e personalizar a disciplina mais generalista do contrato. Nesses documentos podem ser previstas uma ampla gama de cláusulas com o objetivo de fornecer saídas mais céleres para eventuais conflitos, além de detalhar em mais minúcias o dia-a-dia da sociedade, da relação entre os sócios e, inclusive, com a possibilidade específica de previsão de cláusulas de solução de conflitos e controvérsias, caso os sócios entrem em dissenso sobre alguma matéria.

 

Aqui os sócios poderão dispor sobre a forma de tomada de decisões de forma mais confortável, prevendo formas de desempate e de solução de impasses, como a eleição de um terceiro neutro com poder de decidir entre as opções empatadas, ou ainda previsões mais agressivas como são as cláusulas que dispõem sobre a opção de compra ou de venda de participação em casos de empates ou impasses.

 

No caso de paridade de participações, o aparente equilíbrio proporcionado pela igualdade de quotas entre os sócios pode, na verdade, significar um potencial risco de conflitos alongados. Sabendo que essa nem sempre é a realidade das empresas, existem dispositivos que podem ser previstos em acordos de sócios que destravam esses impasses – as deadlock provisions.

 

Em todo caso, de maior importância, para se evitar o declínio da sociedade em razão de impasses entre os sócios, é necessário que a sociedade seja estruturada de forma eficiente, a partir da elaboração de documentos completos, que prevejam a ocorrência das mais variadas situações para que sejam evitados conflitos e o desgaste da relação entre os sócios.

 

A Radiografia das Sociedades Limitadas[1], realizada pela FGV, em 2014, observou que 53,20% das sociedades limitadas não possuem um sócio controlador definido, sendo do total, 44,91% de sociedades paritárias e 8,32% de sociedades com sócios com participações diferentes, revelando que em mais de metade das sociedades limitadas no estado de São Paulo são sociedades limitadas com controle indefinido.

 

Disso percebe-se a relevância de se pensar, antes no futuro, e planejar-se para quaisquer possíveis e futuros desentendimentos, por melhor que seja a relação entre os sócios. A relação societária é complexa e intensa, e em razão disso, por melhor que seja, desgasta-se silenciosamente e, aos poucos, transforma-se em desavenças ocasionais até que, quando menos se espera, torna-se um conflito homérico.

 

A anatomia do declínio, pois, não se trata do declínio do negócio social, mas da sociedade em si e da relação entre os sócios, que precisa ser bem regulada para não se desfazer em prejuízo dos investimentos aportados no negócio. É preciso que ambos estejam protegidos e livres para discutirem abertamente, e com amparo na estrutura societária, sobre o futuro do negócio, certos de que grande parte dos conflitos e impasses terão proteção prevista no contrato social ou no acordo de sócios, evitando-se o desgaste desnecessário e a exposição da sociedade.

 

Em razão disso e pensando nas formas de solução de conflitos e proteção contra impasses que damos início à série de artigos informativos do escritório Brasil Salomão que tratará sobre Conflitos e Impasses Societários. Até a próxima!

 

[1] MATTOS FILHO, Ary Oswaldo; CHAVENCO, Mauricio; HUBERT, Paulo; VILELA, Renato; RIBEIRO, Victor B. Holloway. Radiografia das Sociedades Limitadas. Núcleo de Estudos em Marcados e Investimentos. Fundação Getúlio Vargas (FGV) Direito. São Paulo (SP). Realizada em 2014.

Autores do Artigo

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