É crescente o aumento mundial do número de pessoas infectadas pelo novo coronavírus, situação que tem gerado debates de toda ordem perante os órgãos mundiais de saúde, agentes econômicos, e mais recentemente, perante os órgãos de defesa do consumidor.
O avanço global da epidemia somado ao receio de uma possível infecção ou a possibilidade de se deparar com eventos cancelados, pontos turísticos fechados e a impossibilidade de regresso ao seu local de origem na data prevista, tem feito com que muitos consumidores solicitem o cancelamento/alteração de sua viagem, iniciando-se, então, as discussões sobre a aplicação do Código de Defesa do Consumidor em razão deste vírus.
Apesar de ninguém ser obrigado a se manter vinculado a um contrato ou serviço no mercado de consumo, de acordo com a regra geral, o cancelamento ou modificação de uma obrigação previamente assumida pode gerar a incidência de multa contratual, pois, vigora no nosso ordenamento jurídico um princípio de Direito chamado pacta sunt servanda, que em linguagem simples significa a força obrigatória dos contratos, que devem ser integralmente cumpridos.
Contudo, a aplicação fria e literal deste princípio, certamente, pode gerar o seguinte questionamento: será que o contratante é obrigado a manter um contrato de transporte aéreo e até correr o risco de ser infectado, caso seu destino tenha casos confirmados da doença, sob pena de ter que arcar com o pagamento de multas com as quais não concorda?
Inicialmente, deve-se compreender que a cobrança de multa pelo cancelamento ou remarcação de passagem aérea é admitida pelo nosso ordenamento jurídico, e de acordo com a Resolução Normativa nº 400/2016 da ANAC, o passageiro só estará isento desta penalidade caso solicite a rescisão do contrato no prazo de 24 horas contadas do recebimento do comprovante da passagem aérea, comprada com antecedência mínima de 07 dias em relação à data de embarque. Para os demais casos, inclusive por doença do passageiro, a RN 400/2016 apenas determina que a companhia aérea ofereça ao consumidor, pelo menos, uma opção de passagem em que a multa não ultrapasse 5% do valor total dos serviços de transporte.
Porém, tem sido comum algumas empresas se utilizarem da prerrogativa de manter o contrato para justificar a cobrança de multas totalmente desproporcionais, mesmo diante desta situação de epidemia global, e é exatamente neste momento que devemos utilizar o Código de Defesa do Consumidor como instrumento de proteção.
A Lei Consumerista prevê em seu art. 6º que é direito básico do consumidor a proteção de sua vida, saúde e segurança contra qualquer tipo de risco provocado por um produto ou serviço, assim como, a modificação de cláusulas que estabeleçam prestações desproporcionais e que tornem a obrigação assumida excessivamente onerosa.
A cobrança de multa para o cancelamento de um serviço que corresponda, praticamente, ao valor da compra realizada, é considerada uma prática abusiva e vedada pelo art. 51 do CDC, que determina a anulação da cláusula contratual que coloque o consumidor em desvantagem exagerada.
Com base nesses fundamentos, visando evitar maiores danos ao consumidor, no início do mês de março/2020, o Ministério Público Federal enviou uma recomendação à ANAC para que expeça um ato normativo assegurando aos consumidores o cancelamento sem ônus de suas passagens, ou, a possibilidade de utilização do bilhete num prazo de 12 meses, situação que apenas reafirma a obrigatoriedade de observação das normas consumeristas pelas empresas aéreas.
Desta forma, toda vez que ocorrer um fato totalmente imprevisto e superveniente à contratação, que cause uma onerosidade excessiva a uma das partes, hipótese que se verifica na cobrança desproporcional de multas para o cancelamento de passagens aéreas, o passageiro encontra no Código de Defesa do Consumidor um instrumento eficaz e adequado para a sua proteção.
Larissa Claudino Delarissa
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