Transferências Entre Estabelecimentos Do Mesmo Titular e o Direito ao Crédito de ICMS: Tudo Resolvido?
Como amplamente divulgado, especialmente pelos informes ligados ao setor jurídico, o Presidente Lula sancionou na última sexta-feira de 2023, dia 29 de dezembro, a Lei Complementar n. 204/23, que alterou a Lei Kandir (Lei Complementar n. 87/96), vedando a incidência do ICMS em transferências interestaduais de mercadorias entre estabelecimentos de propriedade do mesmo titular. Até aqui nenhuma novidade, pois apenas adequou a legislação ao quanto decidido pelo Superior Tribunal de Justiça em um primeiro momento e, mais recentemente, pelo Supremo Tribunal Federal (ADC 49).
A nova lei altera a redação do artigo 12, inciso I, da Lei Kandir lhe acrescentando o §4º: “§4º Não se considera ocorrido o fato gerador do imposto na saída de mercadoria de estabelecimento para outro de mesma titularidade, mantendo-se o crédito relativo às operações e prestações anteriores em favor do contribuinte, inclusive nas hipóteses de transferências interestaduais em que os créditos serão assegurados”
Pois bem, o grande ponto sobre o qual ainda pairam dúvidas versa sobre os créditos de ICMS relativos às entradas de mercadorias, posteriormente, sujeitas às operações de transferências interestaduais entre estabelecimentos do mesmo titular. A nova legislação postula que os créditos de ICMS serão assegurados:
I – pela unidade federada de destino, por meio de transferência de crédito, limitados aos percentuais estabelecidos nos termos do inciso IV do § 2º do art. 155 da Constituição Federal, aplicados sobre o valor atribuído à operação de transferência realizada;
II – pela unidade federada de origem, em caso de diferença positiva entre os créditos pertinentes às operações e prestações anteriores e o transferido na forma do inciso I deste parágrafo.
De plano, já podemos apontar possíveis dúvidas em relação à base de cálculo para a apuração do crédito. Isto pois, a lei determina a incidência das alíquotas interestaduais (4%, 7% ou 12%) sobre o “valor atribuído à operação de transferência realizada“. A Lei Complementar, contudo, não determinou expressamente qual seria esse valor, o que pode gerar dúvidas, ainda mais se levarmos em conta a declaração de inconstitucionalidade do § 4º, do art. 13, da Lei Kandir, que tratava dessa base de cálculo quando do julgamento da ADC 49.
Um outro ponto que, ao nosso sentir, ainda não foi completamente esclarecido versa sobre a obrigatoriedade ou não da transferência do crédito para o estabelecimento de destino. Tal dúvida advém, especialmente, da redação do inciso II acima. Vale pontuar que a redação do projeto de Lei Complementar contemplava a possibilidade de o contribuinte optar pelo débito do ICMS nas transferências, mas este ponto foi vetado pelo Presidente da República.
Com o exposto acima, acreditamos que a Lei Complementar n. 204/23, não se amoldou integralmente ao Convênio ICMS n. 178/23, que determinou a obrigatoriedade da transferência de créditos, não possibilitando a opção de debitar o imposto.
A questão da possibilidade de aplicação de incentivos fiscais nas transferências também não está completamente esclarecida, o que pode gerar problemas futuros.
Ou seja, a Lei Complementar deveria ter sido mais clara em relação a estes pontos, para não dar tanta liberdade aos Estados e, especialmente, aos Convênios de elucidar estas questões, pois pela experiência sabemos que muitas discussões poderão advir com a disciplina destes pontos. Tanto é assim que já existem os Convênios 178 e 225, os quais buscaram preencher algumas lacunas sobre o tema, mais do que isso os Estados, internamente, também estão se movimentando, ou seja, não podemos nos espantar se os problemas para as transferências de créditos continuarem.