Reforma Tributária

Reforma Tributária
  • A Reforma Tributária e as Contribuições Sobre Produtos Primários e Semielaborados

    A Reforma Tributária e as Contribuições Sobre Produtos Primários e Semielaborados

    Um dos pontos mais polêmicos da Proposta da Reforma Tributária aprovada recentemente pela Câmara do Deputados é a previsão do artigo 20 da PEC 45/19, incluído por meio de emenda aglutinativa pouco antes do início da votação.  

     


    Tal dispositivo prevê, em suma, a possibilidade de os estados criarem contribuição sobre produtos primários e semielaborados, para investimento em obras de infraestrutura e habitação, como condição à fruição de diferimentos ou benefícios fiscais em matéria de ICMS. Esse tributo poderá ser instituído em substituição às contribuições já exigidas por alguns estados, desde que previstas nas respectivas legislações em 30 de abril de 2023. Ademais, sua vigência seria provisória, extinguindo-se em 31 de dezembro de 2043. 

     


    Muito se criticou a inserção inadvertida desse “jabuti” na PEC 45/2019, a pedido dos estados de Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Pará, justamente porque contraria alguns dos principais objetivos da reforma: a simplificação do sistema tributário e a diminuição da quantidade de tributos incidentes sobre o consumo atualmente.  

     


    Ademais, algumas das contribuições atualmente existentes são alvos de ação direta de inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal – a exemplo das ADIs 5635, 6382, 6365 e 6420, que questionam, respectivamente, as exações instituídas pelos estados do Rio de Janeiro, Maranhão, Tocantins e Mato Grosso. Isso demonstra que o objetivo da inclusão de tal previsão no projeto foi a legitimação de exações cujas constitucionalidades são no mínimo duvidosas.  

     

    Caso, no entanto, tal contribuição seja aprovada tal como no texto enviado ao Senado, prováveis dúvidas surgirão acerca do alcance e competência dos estados para instituí-la.  

     

    Em primeiro lugar, o referido artigo 20 ressente-se de uma definição sobre produtos primários e semielaborados, e tampouco remete essa função à lei complementar. Seria louvável, contudo, que assim o fizesse, em ordem a se evitarem ou se atenuarem conflitos decorrentes de divergência semânticas sobre tais conceitos e o campo de incidência da contribuição.  

     


    Há incertezas, ainda, sobre quais contribuições poderiam ser substituídas pelo novo tributo, mas a própria literalidade do texto do projeto indica que seriam apenas aquelas destinadas a obras de infraestrutura e habitação, como o Fundo Estado de Infraestrutura – Fundeinfra (GO), Fundo de Desenvolvimento Econômico – FDE (PA), Fundo Estadual de Transporte e Habitação – Fethab (MT) e Fundo ao Apoio ao Desenvolvimento Econômico e Equilíbrio Fiscal do Estado – Fadepe (MT). Ficariam de fora, portanto, contribuições destinação diversa, como, por exemplo, os fundos de combate e erradicação da pobreza, exigidos por alguns estados.  

     


    O corte temporal previsto para fins de delimitação da competência também haveria de ser observado, de modo que apenas os fundos existentes em 30 de abril de 2023 poderiam ser substituídos pela nova contribuição. Não teriam aptidão para institui-la, portanto, estados que porventura tivessem revogado tais contribuições ou não as tivessem editado antes de 30 de abril de 2023.

     


    Outra questão ainda não definitivamente resolvida pelo Supremo Tribunal Federal tende a permanecer: a exigência de tal contribuição como contrapartida à imunidade das exportações. Embora o texto do artigo 20 do projeto não preveja tal hipótese, é cediço que alguns estados tentam condicionar a imunidade do ICMS ao recolhimento das referidas contribuições, e não será surpresa se tentarem fazer o mesmo em relação ao IBS.  

     

    Ademais, há sempre o receio de que convalidação de tais contribuições dê margem ao aumento das alíquotas por parte dos estados, sobretudo em um cenário em que alegam perda de autonomia financeira com a criação do IBS.

     

    A experiência tributária brasileira leva a crer que surgirão possíveis conflitos e tentativas dos Estados em contornarem os limites traçados pelo artigo 20 de modo a ampliarem sua competência tributária. Como a PEC 45/19 delega ao legislador complementar funções primordiais para o atingimento dos próprios objetivos buscados com a Reforma Tributária, resta saber se tal missão será devida e suficientemente cumprida pelo legislador para se alcançar a tão almejada segurança jurídica.

  • Processo Legislativo  e a Emenda Constitucional n.º 45/2019

    Processo Legislativo e a Emenda Constitucional n.º 45/2019

    Discute-se, atualmente, no Brasil, a conhecida e já famosa reforma tributária, tratando-se de projeto de emenda para alterar a Constituição Federal, de n.º 45/2019, proposto e já aprovado em dois turnos de votação na Câmara dos Deputados.

     

    O mérito do projeto causa comoções as mais diversas na sociedade, seja entre aqueles que se afeiçoaram com a reforma, seja para os outros que não se entusiasmaram com a propositura.

     

    Certo é que, porém, a despeito da aprovação na Câmara dos Deputados, o que reclama conhecimento do texto, mas ainda se trata apenas de um projeto cuja transformação em regra constitucional depende da conclusão de processo legislativo.

     

    O caminho para alteração da Constituição – de modo a transformar o sistema tributário – criando-se 3 (três)  em detrimento de atuais 6 (seis) – sem prejuízo da manutenção dos demais – tributos ainda não está concluído.

     

    O processo de emenda à Constituição está previsto no art. 60 da Constituição Federal. Em razão da complexidade para sua alteração, nossa Constituição é considerada rígida.

     

    O Brasil adotou o sistema bicameral, resultando na criação, no texto constitucional, de duas casas legislativas em nível nacional: i) Câmara dos Deputados; e, ii) Senado. O mesmo país adota processo legislativo a contemplar iniciativa, debate, votação, aprovação, sanção, promulgação e publicação.

     

    A propositura que tem por objetivo alterar a Constituição depende de votação em 2 (dois) turnos em cada Casa do Congresso (Câmara e Senado), com quórum de 3/5 (três quintos) dos membros – 308 (trezentos e oito) deputados; 49 (quarenta e nove) senadores – foi apenas aprovada em uma das casas, na Câmara.

     

    Aprovada na Câmara, em dois turnos, o projeto – sem que tenha se transformado em texto legislativo – foi encaminhado para o Senado. Nesta casa legislativa, uma vez recebido o texto, que se iniciou pela Câmara, começa-se novo processo legislativo com: i) possibilidade dos Senadores emendarem a proposta, inserindo novas regras em seu texto; ii) deliberação das comissões temáticas do Senado (Orçamentária; Constituição e Justiça; Tributária); e, iii) votação do plenário.

     

    É certo que se o Senado alterar a propositura, inserindo algum novo dispositivo, e o texto for aprovado no Senado, o projeto retorna para Câmara – para nova análise desta casa legislativa. Lembra-se, o sistema é bicameral, e a aprovação depende da deliberação de 3/5 (três quintos) dos membros, em dois turnos, das duas casas de leis. Ao voltar do Senado, se a Câmara voltar a alterar o projeto – daquilo que inserido pelo Senado – o texto deve retornar ao Senado, e, assim, sucessivamente, até que haja aprovação nas duas casas legislativas.  Acaso uma das casas rejeite a propositura, ela está negada.

     

    Importante esclarecer à comunidade que a despeito da aprovação da Câmara, que se deu em dois turnos de votação, com 3/5 (três quintos) dos votos, o projeto ainda não está aprovado; depende, pois, ainda, de discussão, deliberação e aprovação, também por 3/5 (três quintos) dos votos do Senado.

     

    Mais importante ainda: qualquer alteração inserida pelo Senado deverá, ainda, voltar à Câmara, de modo a permitir, pois, que as aprovações se deem pelas duas casas legislativas.

     

    Interessante ressaltar que, ao contrário do processo legislativo ordinário, no processo de Emenda à Constituição não há a promulgação pelo Presidente da República, de forma que este, se não tiver proposto a Emenda conforme lhe faculta o artigo 60, II da CF/88 , não participará do processo legislativo. Portanto, após as votações, caso aprovada, a emenda será promulgada pelas Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, em sessão solene do Congresso.

     

    Concluindo, ainda que o projeto tenha sido aprovado na Câmara, há dependência de discussão e aprovação no Senado, sem o que, ainda, se trata de projeto com processo legislativo em andamento, não criando nenhuma obrigação, nem trazendo qualquer inovação.

     

  • notas de cinquenta e cem reais

    Impactos econômicos da Reforma Tributária

    O sistema tributário, ao longo do tempo, tem sido visto como o “grande vilão” do crescimento econômico sustentável, sendo tratado como um dos entraves burocráticos para o aumento da produtividade e do crescimento.

     

    O debate acerca do sistema tributário e a estrutura produtiva ganha destaque com a reforma tributária devido aos seus efeitos potencialmente prejudiciais ao crescimento e sua alta complexidade.

     

    Discutindo todas essas questões envolvidas, a primeira pergunta que nos vem em mente é o impacto que a reforma tributária efetivamente terá no cotidiano dos setores produtivos envolvidos.

     

    Mas antes de responder essa questão é necessário pontuar que o sistema tributário envolve não apenas uma alta gama de tributos de várias espécies, mas principalmente um alto custo de manutenção de pessoal especializado, envolvidos com a escrituração de obrigações acessórias e resolução de questões complexas.

     

    A reforma tributária surge nesse contexto, de busca de maior eficiência fiscal e simplificação de um sistema tributário que se mostra demasiadamente complexo, gerando inúmeras incertezas e distorções, que dificultam o investimento e o crescimento.

     

    Não por outro motivo, em 06 de julho de 2023, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), divulgou estudo no sentido de que a reforma tributária, se aprovada, propiciará um incremento no PIB na ordem de 2,39% a mais que o previsto, até 2032 (final do período de transição), concluindo que as mudanças no sistema tributário tendem a gerar crescimento econômico (carta de conjuntura 60, nota 1 – 3 ° trimestre de 2023 – www.ipea.gov.br).

     

    Embora tenha sido divulgado que a reforma trará um incremento no crescimento econômico, favorecendo o ambiente empresarial nacional, bem como diminuirá o denominado “custo brasil”, surge a pergunta: Qual o impacto que efetivamente a reforma tributária trará para o cotidiano das pessoas? Como impactará o ambiente de cada um dos setores econômicos envolvidos?

     

    Em termos gerais a reforma propõe a substituição do PIS, COFINS, IPI, ICMS e ISS por dois novos tributos, a contribuição sobre bens e serviços (CBS), gerida pela União, e o imposto sobre bens e serviços (IBS), gerido pelos estados e municípios. A reforma, portanto, em um primeiro momento, afetará principalmente a tributação sobre o consumo, não alterando a tributação sobre o trabalho e renda.

     

    Embora haja impactos positivos que a reforma poderá nos trazer, com a existência de alíquota única em âmbito nacional, a não cumulatividade ampla, a não incidência dos tributos por dentro, a diminuição da guerra fiscal ou isenção da chamada “cesta básica nacional”, entre outros, há também pontos de preocupação.

     

    Isso porque, a premissa da reforma, de não gerar aumento de carga tributária, pode se abalar caso o governo não trate com maior clareza as alíquotas efetivamente aplicadas, as quais serão definidas por meio de lei complementar. A expectativa original de uma alíquota de 25% (9% a União e 16% aos Estados e Municípios), já vem tendo sua previsão majorada para 28%, podendo chegar em até 30%.

     

    O próprio IPEA, no estudo já mencionado, afirma que a efetividade da reforma tributária dependerá basicamente de se manter uma alíquota que não afete os setores econômicos envolvidos, concluindo que quanto maior a alíquota, menor, proporcionalmente, será o incremento ao PIB que a reforma proporcionará em um médio prazo.

     

    O temor do impacto negativo da reforma tributária na economia, portanto, não fica afastado, havendo ainda um risco real da sede arrecadatória gerar um incremento da arrecadação e, consequentemente, a diminuição proporcional dos efeitos positivos na economia. Não sendo demais lembrar que a projeção é que alguns setores essenciais para geração de emprego no país, como serviço e varejo, sofram um aumento expressivo da carga tributária

     

    Mas além da possibilidade de efeitos negativos, há a insegurança trazida pela quantidade de definições deixada à lei complementar, como, por exemplo, transição mal desenhada para o IBS, fundo de compensação de incentivos sem teto de aporte da União, indefinição sobre o funcionamento e atribuições do Conselho Federativo que irá gerir o IBS, entre outras.

     

    Todas essas indefinições geram insegurança, somando-se à tradição de haver limitações inconstitucionais que afetarão negativamente a vida dos contribuintes.

     

    Embora não haja dúvidas quanto aos benefícios da substituição do atual sistema por outro já testado e aprovado em diversos outros países da Europa e América do Norte, preocupa-nos a possibilidade de o resultado do processo legislativo afetar negativamente o ambiente econômico nacional com aumento da carga tributária geral e novas restrições aos direitos dos contribuintes.

     

    Os efeitos da reforma tributária são incertos e, pode-se dizer, serão inversamente proporcionais ao aumento da carga tributária e ao número de emendas parlamentares à proposta, podendo a reforma, se não conduzida adequadamente, gerar um efeito reverso do previsto inicialmente.