Taxa de Fruição em Terrenos Vazios: Direito das Loteadoras ou Abuso Contra o Comprador ?
A taxa de fruição sempre foi tema de debates no âmbito dos distratos imobiliários. A jurisprudência majoritária vem entendendo que não se aplica a cobrança dessa taxa quando o terreno estiver vazio, sob a justificativa de que não houve proveito econômico por parte do adquirente.
Mas afinal, o que é a taxa de fruição?
Essa taxa funciona como uma compensação prevista em contrato e na legislação para equilibrar a relação entre comprador e loteadora nos casos de rescisão contratual. Isso porque, a partir do momento em que o comprador assume a posse do imóvel, a loteadora fica impossibilitada de dispor do bem, seja para revendê-lo, integrá-lo a novos projetos ou explorá-lo de outra forma. O objetivo da taxa não é penalizar o adquirente, mas sim reconhecer que a posse exclusiva do imóvel gera impactos econômicos, independentemente de haver edificação ou utilização ativa do terreno.
Apesar dessa lógica contratual e econômica, a jurisprudência tem afastado a incidência da taxa de fruição em terrenos sem construção.
O problema desse entendimento é que ele não encontra respaldo no artigo 32-A da Lei nº 13.786/2018. Ora, se a norma estabelece expressamente os requisitos para a retenção da taxa de fruição — quais sejam, a posse do imóvel pelo comprador e a rescisão do contrato por sua culpa — então não cabe ao Judiciário criar restrições que o legislador não impôs.
Mas vamos além.
Para aqueles que sustentam que terrenos sem benfeitorias não geram fruição, cabe uma reflexão: será mesmo que a posse só gera efeitos econômicos quando há uma construção no lote? A resposta, como demonstrarei adiante, é negativa.
A Transmissão da Posse e o Uso do Terreno
É sabido que, via de regra, a posse desses terrenos é transferida ao adquirente no momento da assinatura do contrato de compra e venda. A partir desse instante, o comprador tem pleno direito de usar e gozar do bem adquirido, independentemente de ter realizado benfeitorias ou não.
E aqui há um erro comum. Muitas decisões partem da premissa equivocada de que o uso do terreno se restringe à edificação. Mas isso não corresponde à realidade.
Basta andar por loteamentos para ver que terrenos sem construção alguma são usados de diversas formas:
- Armazenamento de materiais de construção (tijolos, britas, madeiras, telhas);
- Estacionamento de veículos e maquinários;
- Uso esporádico para eventos sociais (churrascos, encontros, montagem de tendas);
- Uso para atividades recreativas e esportivas (campo improvisado para futebol, espaço para reuniões de vizinhança).
O que se extrai disso é simples: a posse em si já representa um benefício ao adquirente, e não apenas quando há construção no lote.
A Prova do Uso: Uma Prova Diabólica?
Diante dessa realidade, surgem decisões que levantam outro argumento: caberia à loteadora comprovar que o terreno foi efetivamente utilizado pelo adquirente.
Ora, essa exigência não faz sentido e impõe o que chamamos de prova diabólica. A loteadora precisaria fiscalizar de forma permanente os terrenos vendidos, registrando cada ato de ocupação para, no futuro, se resguardar em um eventual litígio.
A lei, no entanto, não exige essa comprovação específica. O artigo 32-A estabelece que a fruição decorre da posse do imóvel, e não de um uso específico. Ao condicionar a cobrança da taxa a uma prova do uso material do terreno, o Judiciário cria um requisito que simplesmente não está na norma.
Benefícios Econômicos Indiretos da Posse
Mesmo que se ignore tudo o que foi exposto até aqui, ainda há outro ponto inquestionável: a posse de um terreno, por si só, já traz benefícios econômicos indiretos ao adquirente.
Isso porque, ao longo do tempo, o imóvel se valoriza. E é inegável que esse comprador poderia ter revendido o ágio do lote e lucrado com a valorização. Se não o fez, foi por opção própria. A loteadora não pode ser penalizada pela inércia do adquirente.
Há quem argumente: “Mas, ao rescindir o contrato, a loteadora ficará com o terreno valorizado, e isso já compensaria a perda da taxa de fruição.”
Será?
Esse raciocínio ignora um detalhe fundamental: a loteadora incorre em custos para retomar esse lote. São gastos com a manutenção da área, pagamento de tributos e, principalmente, os custos do próprio processo judicial de rescisão (custas processuais, honorários advocatícios etc.).
Ou seja, o ganho teórico com a valorização não se converte, necessariamente, em um benefício real. Muitas vezes, o custo da operação supera o suposto lucro.
A Função Social das Empresas e a Segurança Jurídica
Além de tudo isso, há um aspecto que raramente é debatido: o impacto econômico da retirada da taxa de fruição sobre as empresas loteadoras e seus funcionários.
Loteadoras não são meros entes abstratos no mercado imobiliário, mas empresas que geram empregos, movimentam a economia e têm obrigações financeiras a cumprir. Se inviabilizamos um direito legal dessas empresas, como o da taxa de fruição, estamos indiretamente fragilizando a sua função social e, consequentemente, afetando todos os trabalhadores e fornecedores que dependem dessas operações.
E aqui cabe um ponto crucial: o salário de um funcionário tem caráter alimentar.
Isso significa que ele é essencial para sua sobrevivência. A cadeia produtiva da loteadora não pode ser ignorada nesse debate. Afinal, ao impedir a aplicação da taxa de fruição, estamos retirando receita de empresas que precisam honrar seus compromissos e, por consequência, comprometendo a base econômica de muitas famílias.
Conclusão
A interpretação correta do artigo 32-A da Lei nº 13.786/2018 leva à conclusão inevitável: a taxa de fruição deve ser aplicada sempre que houver posse do imóvel e rescisão por culpa do comprador.
A jurisprudência, ao afastar sua incidência em terrenos sem edificação, está criando um requisito que não existe na lei. Essa interpretação, além de contrariar a norma expressa, gera um desequilíbrio no contrato e impõe um ônus excessivo às loteadoras.
Por fim, é preciso compreender que a fruição não se limita à construção, mas sim à posse. O adquirente que tem a posse de um terreno já usufrui de benefícios econômicos, diretos ou indiretos. Sendo assim, a taxa de fruição deve ser aplicada mesmo que o terreno esteja vazio.
Mais do que uma questão legal, essa interpretação assegura o equilíbrio contratual, preserva a lógica econômica e impede a erosão da segurança jurídica no setor imobiliário.