A guerra entre a Rússia e a Ucrânia e a aplicação da teoria da imprevisibilidade às cédulas de produto rural (“CPR”)
A Cédula de Produto Rural (“CPR”) nada mais é que um título de crédito utilizado no meio do agronegócio, por meio do qual o produtor rural garante a entrega de produtos rurais ou seu equivalente em moeda corrente. A CPR pode ser endossada, ou seja, transmitida a um terceiro, que, ao recebê-la, assume os direitos de crédito anotados no título.
Assim como ocorre com outros títulos de crédito, a CPR possui a característica de ser um título circulatório, ou seja, o seu emissor, no caso, o produtor rural, fica vinculado à promessa de entrega do produto à determinada pessoa, no caso, o credor original ou o eventual endossatário do título, podendo ou não vir acompanhada de garantia de cunho real de entrega do produto rural.
Outra questão importante, e aqui avançamos ao ponto principal do presente Informativo, é que o Superior Tribunal de Justiça, em decisão proferida pela Ministra Nancy Andrighi no Recurso Especial 1023083/GO, tem entendimento consolidado no sentido de que, em razão do conhecimento, pelos produtores rurais, dos riscos de chuvas, secas, pragas e outros eventos, não é possível invocar a aplicação da teoria da imprevisão nessas hipóteses, vez que o produtor rural deve prevê-las e assumir os riscos inerentes ao seu negócio.
Positivada no artigo 317 do Código Civil, a Teoria da Imprevisão tem por fundamento principal promover o equilíbrio contratual entre as partes, sendo uma proteção aos contratantes no caso de eventos que acarretem a onerosidade excessiva ou a impossibilidade de continuidade da relação contratual em razão de situações posteriores e imprevistas ao tempo de assinatura da avença, permitindo, quando configuradas tais situações, a revisão das cláusulas contratuais.
Dito isso, em que pese o correto posicionamento dos Tribunais pátrios, tal entendimento não pode ser adotado em situação de guerra, como a que está ocorrendo entre a Rússia e a Ucrânia, a qual tem influência direta no agronegócio brasileiro. Isso porque, ao contrário da previsibilidade dos eventos citados nos parágrafos anteriores, o conflito entre os países do leste europeu, de maneira alguma poderia ser previsto pelos produtores rurais brasileiros, caracterizando-se, assim, o evento extraordinário e imprevisível a justiçar a aplicação da teoria da imprevisibilidade.
O exemplo mais palpável e recente a ser comentado, o qual merece grande atenção dos órgãos públicos, inclusive do Poder Judiciário, sob pena de levar ao colapso das principais atividades relacionadas ao setor primário brasileiro, sendo eles: agricultura e pecuária, diz respeito à falta e/ou ao aumento exorbitante do preço de fertilizantes utilizados na produção rural brasileira, os quais são fornecidos, em grande parte, pela Rússia.
Por óbvio, seria contraproducente exigir que o produtor rural brasileiro estimasse e previsse a ocorrência de um conflito de tamanho porte em meados de 2022 e que, ao menos no início, teria reflexos na produção de insumos no Brasil, de sorte que tal evento não pode receber o mesmo tratamento dado aos eventos de estiagem, pragas e outros, os quais, por suas vezes, fazem parte do cotidiano daqueles que vivem da agricultura e da pecuária.
Desse modo, em consequência da imprevisibilidade do conflito geopolítico envolvendo a Rússia e Ucrânia e diante do novo custo de produção ao qual o produtor rural foi submetido, a fim de readequar as cláusulas contratuais relacionadas à produção e entrega da produção rural e, assim, reequilibrar a relação contratual, como possível solução, tem-se a elaboração de aditivo contratual a ser firmado entre as partes envolvidas na CPR, o que, conforme o caso, deve ser chancelado pelas autoridades, especialmente pelo Poder Judiciário.
Em todo caso, é fundamental a consulta e assessoria jurídica por parte de advogado de confiança e especialista no assunto.