Foi publicada no último dia 05 de janeiro a Lei Complementar n. 190/22 que regulamentou a cobrança do ICMS nas operações e prestações interestaduais destinadas a consumidores finais não contribuintes deste imposto. Referida lei altera as disposições da Lei Complementar 87/96 (Lei Kandir) sobre o tema.
A sanção e promulgação desta nova lei é importante, pois, em fevereiro de 2021 o Supremo Tribunal Federal entendeu, nos julgamentos do recurso extraordinário 1.287.019 e da ADIn 5.469, que é necessária a existência de Lei Complementar para disciplinar a cobrança do diferencial de alíquota do ICMS nas operações de circulação de mercadorias interestaduais, o que até então não existia. A tese fixada foi: “A cobrança da diferença de alíquota alusiva ao ICMS, conforme introduzida pela EC 87/15, pressupõe edição de lei complementar veiculando normas gerais”.
A Emenda 87/15, em linhas gerais, havia determinado que em operações interestaduais quando o comprador do bem ou tomador do serviço não for contribuinte do ICMS, a pessoa vendedora deverá pagar ao Estado de origem a alíquota interestadual (7% ou 12%, conforme o estado) e para o Estado de destino do bem ou serviço a diferença entre sua alíquota interna e a alíquota interestadual (DIFAL).
Vale lembrar que até a promulgação da Lei Complementar 190/22 somente havia no ordenamento a regulamentação da matéria realizada no âmbito do CONFAZ – Convênio ICMS 93/15 -que não seria suficiente para validar a cobrança, mas como houve modulação dos efeitos da decisão do STF para o exercício seguinte ao julgamento, ou seja 2022, os contribuintes tiveram que fazer referido recolhimento do DIFAL para manter a sua regularidade fiscal até o momento.
A sanção e promulgação da Lei Complementar 190/22 é importante para os entes federados, pois com ela se asseguraria o cumprimento das previsões constitucionais sobre o tema, da decisão do Supremo Tribunal Federal e uma conduta que já vem sendo adotada pelos Estados, mas que ficaria sem respaldo normativo a partir de 2022, momento previsto na modulação dos efeitos da decisão.
Sobre o aspecto temporal, vigência da nova lei, é preciso pontuar que poderão existir algumas discussões, pois seu artigo 3º se previu que ela deve entrar “em vigor na data de sua publicação, observado, quanto à produção de efeitos, o disposto na alínea "c" do inciso III do caput do art. 150 da Constituição Federal”, ou seja, somente se respeitaria a anterioridade nonagesimal e não de exercício, o que seria passível de questionamento, notadamente pela majoração da carga tributária, pela inclusão do DIFAL em sua própria base de cálculo (art. 1º, LC 190/2022).
De qualquer forma, mesmo que superada a questão da anterioridade de exercício, como o Supremo decidiu que as normas do Convênio não valem a partir de janeiro de 2022, haverá um período de pelo menos de 90 dias – anterioridade nonagesimal – sem regulamentação vigente.
Com base neste raciocínio, seria possível, no mínimo, defender que o DIFAL do ICMS nas operações interestaduais a consumidores finais que não sejam contribuintes não seria devido no período compreendido entre 5º de janeiro a 5º de abril de 2022.
Mais do que isso, relevando-se a questão temporal acima, será sempre necessário verificar a existência de lei em cada Estado que dê fundamento para referida cobrança, os Estados que ainda não o tenham feito deverão fazê-lo e se deverá, também, respeitar as anterioridades de exercício e nonagesimal, aferidas a partir da edição da lei interna de cada Estado.
Vale lembrar, neste contexto, que os Estados de MG, SP, PR, RJ e RS, de forma antecipada à LC 190/2022, já internalizaram a cobrança do DIFAL na legislação local, ou seja, sem o suporte de validade (lei complementar) estipulado pelo STF (ADI 5.469 e o Recurso Extraordinário 1.287.019), fato este que pode ser objeto de contestação por parte dos contribuintes, embora haja jurisprudência do STF (Tema 1094) no sentido de considerar “válida” a legislação local, mesmo que anterior à lei complementar federal, mas cujos efeitos, segundo a própria Corte Suprema, seriam materializados somente a contar da vigência da referida lei complementar, isto equivale a dizer que, a legislação estadual produziria efeitos a partir de 05/04/2022.
Enfim, nos termos estipulados pelo STF (ADI 5.469 e o Recurso Extraordinário 1.287.019), a cobrança do DIFAL nas operações interestaduais envolvendo não contribuintes do ICMS está suspensa desde 01/01/2022, sendo possível advogar a tese de que deve permanecer assim até 31/12/2022, tendo em vista a majoração do tributo, pela inclusão do DIFAL em sua própria base de cálculo, a teor do artigo 150, inciso III, letra “c”, da CF/88, afigurando-se ilegal qualquer cobrança dos Estados no exercício de 2022, em que pese a posição já divulgada pelos Estados, por meio do CONFAZ, no sentido de que não houve instituição ou majoração da carga tributária, mas mera “regulamentação” de uma cobrança que já existia, ou seja, um verdadeiro absurdo!
Jorge Marquezi
jorge.marquezi@brasilsalomao.com.br
Maicow Leão Fernandes
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